sábado, 24 de maio de 2008

Barreira: paraíso cultural ainda desconhecido








Liliam Freitas
(Fotos de Ramarys)


Barreira é um pequeno povoado a cerca de 150 quilômetros de São Luís e pertence ao município de Itapecuru-Mirim. É lugarejo de grande riqueza cultural que está prestes a ser reconhecido como área de remanescentes quilombolas. Tudo isso motivou o pesquisador paulista Daniel Cunha de Carvalho a visitar esse povoado. Ele está no Maranhão estudando a cultura popular.


E está escrevendo sua dissertação de mestrado com o tema Espacialidade da Cultura Popular Maranhense- o Bumba-meu-boi, que ele apresentará em Junho de 2009. Ele escolheu, como fonte de pesquisa, os “bois” da Maioba e da Madre Deus. Como o bumba-meu-boi da Maioba, em agosto, pretende ir ao povoado Barreira, para o encerramento dos festejos em honra a São Raimundo, ele quis logo conhecer a cultura de Barreira: modo de viver, costumes, festejos e o tambor de crioula, que resiste. “É importante observar o tambor de crioula ou outras manifestações culturais, dentro do seu habitat, num ambiente rural, fora das cidades e seus arraiais”, argumentou ele.




Apesar de o povoado ser próximo a capital maranhense, nesse período chuvoso a viagem, pela estrada carroçável, se torna torturante e longa. O destino compensa; entretanto, dificulta a ida de outros pesquisadores e turistas que se interessem por Barreira. É necessário que vias de acesso sejam construídas pelo poder público – não só pelas pessoas que querem ir a Barreira, mas os próprios habitantes de lá. “Logo que o período chuvoso passar, o prefeito disse que vai resolver”, falou um esperançoso morador. Note-se que a promessa vem desde o ano passado.




Há uma riqueza cultural inequívoca, caso contrário o mestrando Daniel Cunha Carvalho, da Universidade Federal Fluminense, não iria se dispor a sair da capital para um povoado que, neste período de fortes chuvas, transforma a viagem numa aventura. O veículo, tipo van, em que Daniel viajou, atolou duas vezes no lamaçal que predomina no que deveria ser uma estrada. Na segunda vez, foi bem mais difícil sair do atoleiro. Todas as pessoas tiveram que empurrar o carro, inclusive o pesquisador, mulheres, adolescentes, crianças. O micro ônibus não pôde chegar até perto do povoado, pela deficiência da estrada. Sendo assim, o restante do caminho foi feito a pé. Mas, enfim, chegamos.





A COMUNIDADE
O analfabetismo é grande, naquele pequeno aglomerado de casas. Desde março de 2006, contudo, o povoado conta com uma pequena escola de ensino até 8ª série, a Escola Municipal Maria Madalena Belfort. Uma iniciativa do líder maior da comunidade, o funcionário público Antônio José Santos. A comunidade, em regime de mutirão, construiu a escola. Antes, os moradores que quisessem estudar, tinham que se deslocar aos povoados de Variante ou de Barrigudas, o último há cerca de dois quilômetros de distância.

A escolinha de Barreira é de barro, coberta por palhas e possui apenas uma sala. Até agora, funciona apenas pela tarde de 5ª a 8 ª séries. As duas professoras se dividem para ministrar todas as disciplinas, cada uma fica com a responsabilidade de cinco delas. Para os turnos matutino e noturno não há professor. O poder municipal disponibiliza carteiras, merenda e material de limpeza e didático. Até o corrente mês, “apenas quinze cadernos pequenos foram dados para alunos de 5ª a 8ª série”, revelou uma das professoras. Quanto ao livro didático, que é material básico, “ainda não veio, nem virá”, queixaram-se as professoras. Os alunos também não têm uniforme escolar.

A comunidade pede e espera uma instituição escolar melhor, quer que a prefeitura construa estradas que tirem o povoado do isolamento e construa uma escola de alvenaria, que atenda a demanda, com, pelos menos, duas salas de aula. A quantidade de alunos da escola é de treze a quatorze.

DIFICULDADES
Os moradores do povoado sobrevivem quebrando coco ou da lavoura rudimentar; alguns, contam com benefício social do INSS. Inexistem projeto de geração de renda ou algum incentivo para essas atividades. O quilo do coco babaçu é vendido a R$ 0,60 e o carvão vegetal, no saco que equivale a quatro latas de 18 litros, custa R$ 7,00.


O Programa Luz Para Todos, ainda não chegou a todos. Há cerca de um ano, a energia elétrica faz parte da vida dos habitantes de Barreira, entretanto, nos povoados adjacentes a Barreira, como Viegas, Variante, Mirinzal e Alto da Barreira, a luz é do lampião. “Ano passado explodiu um lampião durante as festas juninas”, lembrou um morador. As pessoas desses povoados que o programa ainda não abrangeu, estão revoltadas segundo Francisca Lima Pereira, “elas compraram televisão, geladeira, aparelho de som e não podem usar porque não tem energia elétrica”.


Além de a escola ser de barro, todas as casas do povoado também o são. Não há nenhum projeto de habitação. Já foi pedida a instalação de um Telefone de Uso Público (TUSP) para a concessionária do serviço. Uma solicitação ao departamento responsável foi feita, por três vezes, pela Associação dos Moradores do Povoado de Barreira, todavia o pedido não foi atendido. O presidente da associação João dos Santos Macedo tem o protocolo do requerimento feito.

Quanto à assistência clínica, ela é realizada uma vez por mês por dois médicos. Como o período não ajuda, “há quatro meses que não eles consultam, eles não querem atravessar” disse uma senhora, referindo-se à travessia do rio Itapecuru, que é o caminho mais curto para a comunidade quilombola. As crianças, em especial, não têm uma boa saúde bucal, a maior parte delas se encontra com dentes cariados. A comunidade também reclama da falta de um poço artesiano, pois a água utilizada é retirada do rio ou de cacimbas.

BERÇO CULTURAL
O contato com Barreira revela toda essa problemática, mas revela também uma cultura popular que tem vida própria, como o tambor de crioula e o festejo de São Raimundo Nonato, que acontece no mês de agosto. O tambor de crioula congrega todos os homens, mulheres e as crianças. O festejo religioso a São Raimundo Nonato já tem mais de meio século, mais de 60 anos, começou com Januário Pereira, que já morreu há quase duas décadas. O refeitório da comunidade – uma iniciativa de Antonio José – tem o nome dele. Trata-se de um local onde a comunidade faz suas refeições, durante as festividades.

Há, também, a capela e uma grande estátua de São Raimundo Nonato. Em um país com tantas leis de incentivo cultural, não há nenhuma que atravesse a estrada ou rio com destino de Barreiras. A ausência de incentivos não impediu que o estudioso Daniel Cunha Carvalho, mestrando em Geografia, pela Universidade Federal Fluminense, conhecesse Barreira, paraíso cultural prestes a ser reconhecido como área de remanescente quilombola. Em agosto, ele voltará para acompanhar o bumba-meu-boi da Maioba nesse povoado.

matéria publicada no dia 14 de maio no jornal Correio de Notícias

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