sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

O que é Literatura Infantil?

CADERMATORI, Lígia. O que é Literatura Infantil. São Paulo: Brasiliense, 2006 (Coleção Primeiros Passos.)

O livro O que é Literatura Infantil, de Lígia Cademartori, desvenda de fato o universo da Literatura Infantil. Com uma abordagem simples e direta, o livro é estruturado em cinco pontos: a importância da Literatura Infantil no Brasil de hoje; O adjetivo como definição do gênero; O momento em que surgiu a Literatura Infantil; autores e obras no Brasil; e a Literatura Infantil nos primeiros anos de vida do ser humano.

Pode-se pensar a Literatura (Infantil) tendo como prisma o postulado de Hans Robert Jauss, teórico da literatura: “O leitor é uma força pode ser apreciada a partir do papel ativo que ela possibilita o seu destinatário”. Citação essa presente no livro. Com base nela, compreende-se a Literatura Infantil, como elo obra/autor e destinatário, um recém-alfabetizado, um leitor infantil que precisa ter suas condições de recepção atendidas e respeitadas, assegura Cademartori. O adjetivo que acompanha o substantivo objetiva o destinatário: o receptor.

A Literatura Infantil virou vedete: livros, encontros até a Academia em torno dessa literatura. No Brasil ‘analfabeto’, a preocupação com o ensino básico veio aliada à “ação pedagógica junto à criança voltou a privilegiar o livro como elemento imprescindível ao crescimento intelectual e à afirmação cultural” para não (se) perpetuarem o quadro de subdesenvolvimento cultural e adultos “iletrados”. Um adulto analfabeto ou milhões de adultos não alfabetizados são crianças que não tiveram oportunidades nem acesso ao mundo da leitura, dos livros, dos sonhos e de desenvolvimento. Por isso a opção (inteligente) de trabalhar com elas, e também com a Literatura.

Nesse cenário, aconteceu um verdadeiro boom da Literatura Infantil, afirma Cademartori. Também vieram as Histórias em Quadrinhos (HQ’s) sem, contudo, um viés cultural e pedagógico. O denominador comum entre os dois gêneros é “o leitor mirim e a condição de não desfrutar de status de obra de arte”, revela a autora. Relegada por muito tempo à classe de um subgênero, uma subliteratura, a Literatura Infantil foi reconhecida, entretanto não por razões literárias, mas por outras que “envolvem questão da educação, além de mercado” (2006, p.15), nas palavras de Cademartori.

Apesar da inquestionável importância da Leitura (e) da Literatura Infantil (que dialogam) e a formação de leitores e seus múltiplos aspectos (literários, sociológicos e psicanalistas), o livro, mesmo para criança, é (como) uma mercadoria. A sociedade é capitalista com sua indústria cultural, daí nem tudo que se diz que é é, ou seja, nem tudo que é dito Literatura Infantil é Literatura Infantil o que implica o não compromisso com os traços desse gênero literário. Com efeito, não é surpresa, como declara Cademartori, que “nem tudo que circula como livro destinado à criança é, de fato, Literatura Infantil”.

Literatura Infantil por mais que dialogue com a Educação ou seja indissociável a ela, não é reduzível aos objetivos e ditames pedagógicos, como coloca a autora: “a sua natureza literária já a coloca além” (2006,p.18). A escola é um aparelho ideológico do Estado (como coloca Althusser ao tratar de algumas instituições reprodutivistas) e sua (se) conflita com o da Literatura: a literatura liberta e a escola aprisiona. Interesses antagônicos. Como alerta Cademartori: “Foi a preocupação pedagógica que, por muito tempo, silenciou no texto questões relativas às sexualidade, ao racismo, à segregação, das mulheres e outras mazelas da sociedade e de seus jogos de poder” (2006, p.24) . Então essa escola e essa pedagogia são nocivas, por isso não atrelar à Literatura a educação posta por elas (escola e pedagogia).

A escola é pautada pela preocupação conteudista, nem o ensino da língua escapa, o que á paradoxal, visto que não se alarga o domínio lingüístico com uma tirania de conteúdo. A Literatura Infantil nesse contexto é crucial para o domínio da língua ocorra e as necessidades intelectuais negligenciadas pela escola se desenvolvam. Assim se chega à principal função da Literatura (infantil), como aponta Cademartori, ela “cumpre junto ao seu leitor é apresentação de novas possibilidades existenciais, sociais e políticas educacionais” (2006, p.19-20)

Quanto ao adjetivo, pois o substantivo não causa estranhamento (literatura), ele define a Literatura, pois define o público: a criança. No geral, “é escrito para criança e lido pela criança”(...) entretanto “é escrito, empresariado, divulgado e comprado pelo adulto” (2006.p 21), esclarece Cademartori . Nessa relação desproporcional de força “a criança é dependente, em termos físico, intelectuais, afetivos e financeiros” como declara a autora. Pode-se incluir o aspecto comunicacional, a criança é apenas o receptor ‘passivo’.

De modo geral, a Literatura pedagógica se liga à cultura erudita e a literatura oral à cultura popular. Elas se mesclam quando se adapta os contos folclóricos (antes para adultos) às crianças, visto que o viés pedagógico é permeado por princípios moralizantes. Ou seja, nas palavras de Cademartori uma “preocupação de fazer uma literatura moralizante através de uma literatura pedagógica” (2006, p.36). O precursor da literatura infantil foi o francês Charles Perrault que ficou conhecido pelas histórias da Cinderela e Chapeuzinho Vermelho. Nomes também como dos irmãos Grimm (João e Maria, Rapunzel), C. Andersen (patinho Feio). Destaque para Lewis Carrol que foge da moralidade cânone e segue a polifonia que permite diversas leituras de sua obra.

Já no Brasil, o grande expoente da literatura para crianças é Monteiro Lobato, criador de uma estética para a literatura infantil. Ele abre espaço para a interlocução e amoral não absoluta a exemplo da Emilia, do Sítio do Pica Pau Amarelo: “Aprender o grande segredo da vida dos homens: a esperteza. Ser esperto e tudo”, observa Cademartori. Nasce no Brasil a Literatura Infantil, o pai já estava presente e a família por vir.

Nessa tendência, o mercado do livro nacional evolui(u), o livro pode ser até uma mercadoria (no capitalismo, tudo vira mercadoria), todavia de boa qualidade para diversas faixas etárias. Livros para crianças que ainda não sabem ler, contraditório?! Não, o hábito de leitura deve ser (precisa) cultivado desde muito cedo, inclusive com livros com imagens, cheiros e formas ainda sem as palavras. A linguagem e a percepção visuais já são trabalhadas.


Eva Furnati escreve livros sem textos (palavra escrita) como “Todo dia” e “De vez em quando”. A criança começa a lê assim, depois vem os livros com imagens aliada a inserção das palavras. Nomes não faltam. Destaque para Ruth Rocha como obras “Enquanto o mundo pega fogo”, “O Reizinho Mandão” e “Dois idiotas sentados cada qual no seu barril” que não subestimam o público leitor e inclusive já trabalha questões de poder e Ziraldo, o criador de “O menino maluquinho” e também “O menino mais bonito do mundo”. E não é só prosa, existe espaço para a poesia: Cecília Meireles e Vinícius de Moraes. Para as crianças que crescem e tornam-se pré-adolescentes e leitores, Sérgio Caparelli e Lygia Bojunga fazem companhia, escrevem para esse público.


A leitura infantil namora com a educação, em especial para crianças e a educação infantil. Ela é fundamental para o desenvolvimento pleno, lingüístico, intelectual e social. A Literatura (infantil) é importante para a expressão verbal, o lúdico, imaginação e abstração. Cademartori explicita que “O papel da literatura nos primeiros anos é fundamental para que se processe uma relação ativa entre falante e língua”. Isso se deve a vários fatores, a começar pelo próprio sistema alfabético (2006, p.74).

Enfim, a Literatura Infantil é o reconhecimento da criança, não mais como um adulto em miniatura.

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