sexta-feira, 26 de outubro de 2007

A introdução do livro "Cinema Brasileiro Hoje"

A introdução do livro "Cinema Brasileiro Hoje", de Pedro Butcher.

Confira a introdução do "Folha Explica Cinema Brasileiro Hoje":

Antes de discutir o cinema brasileiro faz-se necessário isolar as palavras "cinema" e "brasileiro", a fim de tornar claras algumas questões ligadas à produção de imagens na sociedade contemporânea.

CINEMA

O cinema surgiu no apagar das luzes do século 19 e se espalhou pelo planeta com relativa rapidez. Em vários países, se afirmou como uma das formas hegemônicas de arte e de entretenimento, a ponto de se dizer que o século 20 foi o "século do cinema". Ao longo dos anos, porém, novas tecnologias geraram outras formas de captação e reprodução do real. Com a televisão, o videotape e, mais adiante, a possibilidade de transmissão ao vivo, a cultura da imagem em movimento tomou proporções muito mais amplas, de tal forma que o tradicional filme projetado na sala escura se tornou apenas um dos formatos possíveis dentro do universo audiovisual.

Do ponto de vista industrial e comercial, o cinema passou a conviver e competir com a televisão, o homevideo e o videogame. Do ponto de vista artístico, o ato de filmar perdeu seu caráter quase sagrado com o surgimento de câmeras digitais portáteis, que facilitaram e multiplicaram as possibilidades de se fazer filmes. Na sociedade contemporânea, portanto, a imagem não é mais distante e inacessível, mas algo que faz parte do cotidiano de nossas vidas, apesar de "o" cinema em seu formato tradicional ainda atrair multidões no mundo todo.

Este livro se concentrará nos longas-metragens produzidos no Brasil que chegaram ao circuito comercial a partir do começo dos anos 90. Trata-se, portanto, de um recorte bastante específico e representativo de apenas um aspecto da produção audiovisual nacional, que hoje inclui de reality shows televisivos a curtas-metragens experimentais captados e reproduzidos digitalmente. Um contexto amplo e diversificado, que exerce grande influência sobre o quadro do cinema comercial tradicional.

BRASILEIRO

Outra questão importante que se impõe é a do cinema nacional. O que faria o cinema brasileiro ser brasileiro? Existe um conjunto de filmes capaz de expressar um país inteiro?

Para François Truffaut, crítico e cineasta francês que ajudou a revolucionar o pensamento cinematográfico no fim dos anos 50, cinematografias nacionais não existem, com poucas exceções. Uma delas seria o cinema norte-americano, inegavelmente uma das mais ricas (e também impositivas) formas de expressão cultural do mundo. Algumas produções locais de épocas específicas, como o cinema russo do período pós-revolucionário (anos 20-30), ou o neo-realismo italiano do período pós-Segunda Guerra (anos 40-50), teriam sido capazes, por circunstâncias específicas, de representar uma nação.

Essa tese não significa, evidentemente, que outros países estariam proibidos de fazer cinema. Apenas seria impreciso referir-se a seus filmes como um bloco único. Não existiria, assim, 'o' cinema inglês, mas cineastas ingleses, nem "o" cinema brasileiro, mas cineastas brasileiros. No entanto, questões políticas sempre associaram cinematografias às suas nacionalidades.

Assim que o cinema deixou de ser visto como mero registro da realidade para se inscrever no campo da narrativa de ficção, percebeu-se o imenso potencial do filme como produto. Teve início, então, a fabricação em massa de "fitas de cinema" e a constituição de uma estrutura mundial para sua propagação e venda, que estabeleceu o modelo hegemônico do cinema no mundo.

A produção em larga escala começou na Europa, na primeira década do século 20, mas, com as dificuldades que surgiram em conseqüência da Primeira Guerra Mundial, o fluxo de produção mudou para os Estados Unidos 1. Nascia Hollywood, "fábrica de sonhos", pólo cinematográfico encravado na Califórnia, costa oeste do país. Uma indústria que, desde seu início, se pretendeu universal. Não foi por acaso que as grandes companhias cinematográficas se tornaram as primeiras corporações transnacionais de comunicação a se estabelecerem fora dos Estados Unidos, depois das agências de notícia. 2

Desde as primeiras décadas do século 20, os filmes americanos têm conseguido se manter majoritários dentro de seu próprio mercado e em muitos territórios do mundo (principalmente do Ocidente), onde essa ocupação varia em média entre 40% e 70%.3 Estratégias agressivas fizeram com que, a partir dos anos 20 e principalmente após a Segunda Guerra, várias nações européias erguessem barreiras para dificultar a distribuição ou exibição dos filmes americanos. Assim se firmou a dicotomia entre o cinema "universal" hollywoodiano e os cinemas "nacionais" dos outros países.

A presença de Hollywood se tornou ainda mais intensa a partir do fim do século 20, quando a saturação do mercado interno e a acirrada competição com as formas de entretenimento caseiro levaram os grandes estúdios a buscar uma nova expansão internacional. Nessa fase, a maior parte dos estúdios tradicionais já havia sido comprada por grandes corporações de capital transnacional. Hollywood entrava na era da globalização, quando contradições nacionalistas, ironicamente, tendem a se acirrar. Enquanto estados nacionais perdem força econômica e política com a transferência de indústrias e serviços (e também do poder de decisão) para grandes grupos econômicos, o nacionalismo se intensifica nos territórios menos protegidos, como forma de preservar a cultura local. E o cinema, nesse contexto, desponta como arma simbólica dessa luta.

Ao mesmo tempo, a padronização estética da maioria dos filmes hollywoodianos levou ao crescimento de uma produção independente dentro mesmo dos Estados Unidos (o "filme independente americano", que despontou com força total em meados dos anos 80). Mais ou menos no mesmo período, cresceu o interesse mundial por filmes vindos de regiões não-hegemônicas como o Oriente Médio (principalmente Irã), a Ásia (sobretudo China, Japão, Coréia e Taiwan) e a América Latina (Argentina, Brasil e México à frente).

É nesse contexto que o cinema feito no Brasil a partir de meados da década de 90 entra em uma nova fase da sua história, batizada de 'retomada'.
Fonte:Folha online

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